segunda-feira

A fome

Aquilo que nos falta é fome.
Aquilo que a gente pensa que nos falta também é fome.

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Irracional, aquele que sabe como saciá-la transforma necessidade em luxuria num estalar de dedos. É dificil separar a necessidade do desejo, já que no fundo as duas coisas são praticamente iguais. É a estrutura do vicio. A fome tem o poder de tornar o lixo suportável, a podridão agradável, pois com necessidade não se brinca.

A fome é alucinógena.
Ela torna o cinza colorido.
Mas ela também tem data de validade.

O prazer que passa pela lingua dura alguns segundos. O estômago vazio transforma o desejo em nausea quando se completa. Assim, a fome nunca tem fim, pois ela não tem extensão.
Por isso eu adoro a fome. Ela faz com que cada refeição seja unica. Embora o prato seja igual, o tempo parece que tempera e deixa o gosto ligeiramente diferente.

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Aquilo que nos move é fome.
Aquilo que nos dá vontade de mover também é fome.

quinta-feira

Dormência

Eu estou acordado.
Não é simplesmente porque as coisas acontecem sem controle que eu estou dentro de um sonho.

Eu adoro ficar acordado.
Não preciso fazer esforço pra manter os olhos abertos quando o sono vem, porque as coisas não tem sono e elas não vão parar se eu dormir.

Eu passo todo meu dia acordado.
Não quero deixar os momentos escaparem com o vento, mesmo que eu tenha de vive-los todos pela metade.


Eu PRECISO ficar acordado.
Não sei se vão me levar pra longe durante a noite. Prefiro não confiar.
Eu PRECISO ficar acordado.
Não acorde. Quero te ver dormir. Você dorme tão bonito.
Eu PRECISO ficar acordado.
Não vejo a hora passar. Mas sei que ela está passando.

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Eu ainda não dormi.
Mas não se preocupe. Nada vai acontecer, porque eu não vou deixar.

domingo

O rosto e a intenção

Em blogs, com certa frequência (ainda mais o menores, e mais auto-biográficos), acho que é possivel deduzir para quem o autor está falando. Claro que a idéia é tentar escrever para a maior quantidade de pessoas possivel, mas a experiencia é sempre outra quando você se enxerga na mensagem. Principalmente quando a gente conhece quem tá escrevendo.

Algumas vezes, a gente se enxerga numa mensagem que é para outra pessoa.
Isso não é tão anormal quanto parece. Alias, imagino que essa seja a coisa mais comum.

A experiência é um pouco diferente do que quando lemos um livro. Num livro, a intenção do narrador é ser o mais abrangente, e portanto a sensação que tenho é a de que ele está contando uma história para uma entidade onipresente, que não tem nome, não tem alma.
Num blog, desses pequenos e que compõe o corpo de quase todo o total de blogs no mundo, o autor escreve para aqueles que ele conhece. Por mais que você não seja o personagem da história, você sabe pra quem estão falando. E por mais que você não veja o seu nome ali, você sabe que algum dia você poderá ser o personagem principal de alguma história.

Ou que algum dia você poderá relembrar algo que aconteceu enquanto você estava com todo mundo.

Ou que você irá conhecer mais um pouco sobre aquela pessoa que está próximo de você.

Ou mesmo daquelas distantes que você já teve contato um dia.

Eu sei quais são as pessoas que lêem o meu blog, e sei que elas sabem que eu sei. Por mais que eu tente ser confuso ou não citar ninguém como personagem, a coisa tá ali e todo mundo vê...

Acho que isso é o bom de um blog pequeno:
Você sabe com quem você conversa. ]
Mesmo que não diga nada.

segunda-feira

Pele seca

O aniversário passa e eu não sei mais o que fazer comigo.

Assim como as coisas que invitavelmente só tem um destino, talvez seja minha sina perder a voz (ou os dedos) quando as idéias sumirem. Raspar a cabeça, deixar a barba crescer, dormir mais, comer menos, caminhar até o trabalho....Coisas pequeninas que alimentam idéias, não significam muita coisa pra mim.
A idéia não brota da coisa. A idéia brota da cabeça. As coisas pequeninas nunca foram nada, pois elas já estão por ai em qualquer lugar que se olhe. Combustível para a mente nasce da mente. No máximo saem dos nutrientes daquele almoço que repõe as energias e mantém o cérebro funcionando. E só. Essa é a função dos nutrientes, manter vivo nem que o gosto se dilua. As coisas perdem um pouco do gosto porque o cérebro já se acostumou à cor da parede, ao cheiro dos cachorros e aos rostos dos vizinhos. Enxergar uma nova cor nas faces dos velhos conhecidos é tarefa árdua depois de alguns anos na rotina.

Pouca expectativa, pouca decepção.

Rapaz, eu pareço um velho babaca. Talvez eu até seja um idiota pessimista que vê, sabe que vê e mesmo assim prefere só ver do que alcançar o que se quer. Eu me reviso todo o ano pra ser um pouco menos chato que no ano anterior. Nem sempre dá certo, mas algumas coisinhas novas sempre aparecem pra colorir o que passou em branco no ano passado.

O que nem sempre significa que sejam coisas boas, mas pra mim ser colorido já é alguma coisa.

quarta-feira

Long Slow Goodbye

Hoje dei adeus sozinho

Eu queria dizer algo...Entalado na garganta desde que percebi que a coisa não era tão simples quanto se fazia. Como pés fixos no chão. Como olhos encarando uma porta.
Fiquei parado quando devia ter me movido, esperando com uma paciência irritante a porta se fechar.
Certa vez li uma estória que dizia que em certos momentos a gente acaba confundindo as prioridades. Tanta coisa pra se fazer, mas nada 100% resolvido. Uma hora, elas se resolvem sozinhas...Hoje, se resolveram.

Na solidão não se vive acompanhado, certo?
Então nada melhor nessas horas do que compartilhar a vida consigo mesmo. Até a porta se abrir.

quinta-feira

Cegueira

Para o cego, o tato vê

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Mas que tato há entre o cá e o lá?

A ausência na mão do cego é combustível da procura, mas a ausência em excesso o afoga.
Assim como a luz que nos faz ver pode também nos tornar cegos.

Solidão pouca basta pra saudade. E de saudade não nego, pode também se afogar.
Por isso, eterno naufrago, os cegos vivem no mar.
Nós, que olhos temos para nos vermos, mantemos distância segura dar razão a nossa visão.
E essa distância me faz cego, afogando em aflição, em busca de um toque que conforte, que me diga "Shhhhiii aqui estou pra te salvar da saudade".

Mas da saudade não se foge nem os cegos, nem os que vêem.
Pois a saudade alcança a todos...Basta espaço pra que se instale.

Líquido

As coisas escorrem.

O tempo vaza do relógio, as pessoas escapam de suas casas, água passa pelos dedos e a mão fechada se torna vazia.

O relógio se enche de tempo novamente, as pessoas voltam pras suas casas, a mão se abre novamente mas a água que se foi continua ali no chão, esparramando-se, preenchendo o espaço que ela quiser.

As coisas que passam ficam onde elas se permitem ficar, e nós só podemos apreciar o tempo que se vai enquanto escorrem por nós.

Porque o relógio pode se quebrar, as pessoas podem não voltar, a água pode ficar onde ela está, mas todas elas já terão passado por nós.
E esse tempo que passamos juntos...Ah isso elas não tiram de mim.

domingo

Digestão

Escrever requer hábito, disciplina e, sendo sincero, um pouco de saco. Assim como qualquer coisa que se quer fazer, o espaço em branco é sedutor e traiçoeiro, e acho que é justamente por confrontar algo tão ilimitado que as pessoas que criam geralmente não batem bem da cabeça.

É sério. Mas alguém tem de fazer o serviço.

Ultimamente eu tenho pensado bastante nesse aspecto caótico da folha em branco, tentado entender como várias idéias significam nada se você não tem colhões pra enfrentar a maldita folha em branco. Afinal, idéias não te faltam certo? Você poderia encher 300 folhas em branco, e mesmo assim elas não te diriam nada. E nem sempre é porque a idéia é ruim, pois acredito que as idéias estão por ai vagando esperando achar uma cabeça pra se alojar desde que existem cabeças (ou coisas que funcionem como cabeças) no planeta.

É sério.

Pense comigo, numa pequena análise biológica: Todos precisamos comer. E para isso, precisamos de toda a aparelhagem necessária; boca, esofago, estomago, e por ai vai. Cada um desses orgãos é responsavel por uma função, o que portanto cria uma necessidade que, se não for saciada, causa problemas. Como todos esses aparelhos são interligados, a necessidade de um orgão é refletida no orgão diretamente interligado e que, dependendo da rede de conexões, reflete a necessidade em outro lugar. Por isso associamos o ato de comer a boca e não aos ouvidos. Entende o que eu quero dizer? Pra que se possa criar essa associação, e entendo aqui "associação" como um rascunho das idéia, é necessário haver uma necessidade. Mas de nada adianta a necessidade se você não consegue associar "a fome à boca". A folha em branco é caótica porque ela não te dá indicios da necessidade, que é sua, mesmo que você não queira acreditar.
Então não é pra culpar a folha em branco. Muitas pessoas vivem bem sem precisar escrever um diário ou pintar um quadro, mas não conseguem viver sem comer.

Então devore a folha em branco. Com a boca.